
Céu cinzento, repleto de brumas, eis um dia chuvoso,
uma boa oportunidade de ficar em casa, refugiado.
Isso, porém, é para poucos: o homem-máquina não o pode,
tem que estar na rua, trabalhando, mesmo com o céu caindo,
em busca do seu salario, do seu existir, do seu viver.
Eu, na minha condição de burguês, desfruto do calor do lar,
aproveito para escutar um samba antigo e ler um bom livro.
Enquanto escrevo essas linhas, olhando lágrimas caírem,
lembro-me do meu amor, distante de mim, tão longe,
e com esse distanciar, ponho-me a tremer de frio.
Escuto lá fora ruídos da cidade, que se move sem parar,
mesmo com rios a se formar pelas suas ruas e avenidas,
mesmo com homens a gritar ao verem seus barracos sumirem
em meio a um mar de lama e agora repousarem de baixo do morro.
A cidade não para, sempre há engrenagens para substituir
[as desgastadas.
Se essa mesma tempestade caísse no sertão, seria diferente,
com as primeiras gotas, os sabiás se colocariam a cantar,
anunciando boas novas: a chegada da nova estação, da esperança.
É na cidade, contudo, que ela se esgota, se espreme,
assim como essas linhas, e caem, caem pesadas no asfalto frio.
Um dia chuvoso, parece ser um simples desabar de pingos,
mas envolve uma multiplicidade de existências, afeta a tudo
[e a todos.
Faz-me lembrar a falta do calor de seu seio, faz-me rir e chorar,
nas batidas de um samba e nas batidas das estacas,
marcadas a suor e sangue das formiguinhas-operários, lá em baixo.